É notável a proposta de Thomas More para o lugar da religião numa organização social ideal. Em Utopia (1504), quem não tem crença alguma, algum tipo de fé, não é considerado um ser humano, mas aquilo em que se acredita é do âmbito do estritamente pessoal, de interesse exclusivamente privado. Não existem igrejas, nem cultos coletivos. Não se tolera o proselitismo. As refeições são realizadas em lugares coletivos, mas a alimentação da alma é sempre pessoal, privada. A relação com a divindade deve ser direta, sem intermediários.
Algo análogo ocorre com a poesia. Assim como o Direito nos oferece um mundo regulado por normas, diante das quais somos todos iguais, um poema nos oferece um mapa do mundo absolutamente pessoal, idiossincrático. A palavra poética é original, fundadora, instauradora de sentidos. Um poema nos põe em relação direta com o absoluto.
Para Vilém Flusser, a Literatura nos conduz ao senso de religiosidade. A poesia, nesse caso, seria o lugar em que tal sentido é mais pleno.

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