Category Archives: Publicações
Seminários de Estudos em Epistemologia e Didática SEED FEUSP 2º semestre 2023
Coordenação: Nílson José MachadoLOCAl: ZOOM 16h-18h
(Solicitar link por email para marisa.ortegoza@gmail.com)
Data | Tema | Expositor |
---|---|---|
18/ago | Qualidade na Educação: as armadilhas do óbvio | Nílson José Machado |
25/ago | As fases do ciclo da vida segundo Erick Erickson | Lino de Macedo |
01/set | Tecnologia e Botânica: um núcleo arborizado na FATEC Franco da Rocha (SP) | Nadia Said Avila |
08/set | FERIADO | FERIADO |
15/set | Formação pedagógica dos professores de TIC: a experiência da Univ. dos Açores | Ana Cláudia Loureiro |
22/set | Viemos do oriente (Parte II) | Cacildo Marques |
29/set | Revisitando Kepler: a Lei das Áreas | Paulo Bedaque |
06/out | Ítalo Calvino: Múltiplas propostas para todos os milênios | Marisa O. da Cunha |
13/out | FERIADO | FERIADO |
20/out | Tolerância, convivência e conflitos religiosos | Valdemar W. Setzer |
27/out | A dimensão energética do sentido da vida | Luciara Avelino |
03/nov | FERIADO | FERIADO |
10/nov | Literatura Integrando Currículos: uma visão da interdisciplinaridade | Fernando de Oliveira Souza |
17/nov | Educação integral no Brasil: da Constituição de 1988 à BNCC de 2018 | Guilherme Melo |
24/nov | Mudanças climáticas e Defesa Nacional | Oscar Medeiros Filho |
01/dez | Yuval Noah Harari: HOMO DEUS? CONFRATERNIZAÇÃO (presencial) | Ricardo Tescarolo FEUSP Bloco B sala 8 |
Seminários de Estudos em Epistemologia e Didática SEED FEUSP 2º semestre 2023
Coordenação: Nílson José MachadoLOCAl: ZOOM 16h-18h
(Solicitar link por email para marisa.ortegoza@gmail.com)
Data | Tema | Expositor |
---|---|---|
18/ago | Qualidade na Educação: as armadilhas do óbvio | Nílson José Machado |
25/ago | As fases do ciclo da vida segundo Erick Erickson | Lino de Macedo |
01/set | Tecnologia e Botânica: um núcleo arborizado na FATEC Franco da Rocha (SP) | Nadia Said Avila |
08/set | FERIADO | FERIADO |
15/set | Formação pedagógica dos professores de TIC: a experiência da Univ. dos Açores | Ana Cláudia Loureiro |
22/set | Viemos do oriente (Parte II) | Cacildo Marques |
29/set | Revisitando Kepler: a Lei das Áreas | Paulo Bedaque |
06/out | Ítalo Calvino: Múltiplas propostas para todos os milênios | Marisa O. da Cunha |
13/out | FERIADO | FERIADO |
20/out | Tolerância, convivência e conflitos religiosos | Valdemar W. Setzer |
27/out | A dimensão energética do sentido da vida | Luciara Avelino |
03/nov | FERIADO | FERIADO |
10/nov | Literatura Integrando Currículos: uma visão da interdisciplinaridade | Fernando de Oliveira Souza |
17/nov | Educação integral no Brasil: da Constituição de 1988 à BNCC de 2018 | Guilherme Melo |
24/nov | Mudanças climáticas e Defesa Nacional | Oscar Medeiros Filho |
01/dez | Yuval Noah Harari: HOMO DEUS? CONFRATERNIZAÇÃO (presencial) | Ricardo Tescarolo FEUSP Bloco B sala 8 |
Igualdade/Diferença
USP/Faculdade de Educação 1ºsemestre/2023 Ano XXVIII
Seminários de Estudos em Epistemologia e Didática
TEMA
Um passeio pré-conceitual em espaços de
significados do par Igualdade/Diferença
Nílson José Machado
nilsonjosemachado.net
njmachad@usp.br
EMENTA
O Tema do Seminário é uma exploração pré-conceitual (não formal) das interfaces da ideia de Igualdade com as ideias de Diferença, Equivalência, Desigualdade e Simetria, articulando algumas relações fundamentais para a compreensão das noções de Cidadania, Pessoalidade, Equivalência, Ordem, Equidade, Mérito, Iniquidade, Dádiva, Autoridade e Ética. Na forma de uma exposição dialogada, a atividade será aberta a questões dos participantes durante todo o “passeio”.
Sumário
Introdução: Um alerta necessário
- O par Igualdade/Diferença: as noções de Cidadania e Pessoalidade
- O par Igualdade/Equivalência: as noções de Classificação e Ordem
III. O par Igualdade/Desigualdade: as noções de Mérito, Equidade e Iniquidade
IV. O par Simetria/Assimetria: as noções de Dádiva, Autoridade e Ética
____________________________________________________
Introdução: Um alerta necessário
“Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
…
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue…
Entretanto, luto.”
Carlos Drummond de Andrade
(O lutador)
A luta é vã, como registra o poeta, mas viver é lutar, retruca outro, e nos muros de Paris, em maio de 1968, uma das inscrições dizia: “Chega de fazeres, queremos palavras!” Pelo sim ou pelo não, vamos à luta.
Não falaremos aqui de conceitos, apenas de noções, de ideias iniciais, intencionalmente pré-conceituais, no sentido de que, humildemente, situamo-nos na antessala dos conceitos. A discussão conceitual é mais exigente, trazendo à tona definições, classificações, ordenações, causalidade… Vamos apenas conversar, ou versar junto com, sem qualquer intenção de converter.
Sabemo-nos, pois, preconceituais, nunca, porém, preconceituosos. O pré-conceitual sabe-se menos que o conceitual; o preconceituoso é o pré-conceitual pretensioso, metido a conceito: a hybris não tardará.
Roteiro (em Bullets)
- O par Igualdade/Diferença: as noções de Cidadania e Pessoalidade
- A Igualdade é valor fundamental, mas alguns mal-entendidos cercam interfaces de tal noção com ideias como a de diferença, por exemplo.
- Iguais como cidadãos, somos diferentes como pessoas, e gostamos disso; o elogio da igualdade não pode significar o desprezo pela diferença.
- A vida em sociedade pressupõe a existência de normas reguladoras e todos são iguais perante a lei, ou deveriam sê-lo, na vigência de um regime democrático.
- Nem tudo na vida social pode ser regulado por normas; precisamos da vivência de escolhas pessoais, ou de espaços de livre arbítrio; não somos robôs.
- O gosto pessoal, a arte, a estética, os valores cultivados constituem uma marca pessoal, um “fundo insubornável” da pessoa, nas palavras de Ortega y Gasset.
- Nesse fundo pessoal, somos a maior autoridade sobre nós mesmos, e assumimos a plena responsabilidade pelos nossos atos.
- A desobediência civil é um princípio que nos garante que não respeitemos a lei em ações não violentas, desde que a responsabilidade pessoal seja efetivamente assumida.
- As diferenças pessoais constituem-se a partir de escolhas referentes aos projetos que alimentamos e aos valores que os sustentam.
- Uma pessoa pode ser caracterizada pelo feixe de papeis que representa; o primeiro de tais papeis é o de “filho de alguém”.
- Dentre os papeis que representamos, ora somos protagonistas, ora coadjuvantes, ora figurantes; dar o melhor de si em cada representação é o caminho da ética.
- Uma pessoa bem formada procura representar bem todos os papeis que lhe cabem; protagonistas sempre apenas nossa mãe nos acha, dependendo do contexto…
- Resumindo, somos iguais como cidadãos, em espaços regulados por normas, mas somos diferentes como pessoas, em espaços de livre arbítrio, e gostamos disso.
- O par Igualdade/Equivalência: as noções de Classificação e Ordem
- Rigorosamente falando, uma coisa somente é igual a si mesma; dizer que A é igual a B significa apenas que, naquilo que interessa, A pode ser substituído por B, ou vice-versa.
- Duas notas de 100 Reais são iguais em seu poder de compra, mas têm numerações distintas, que podem ser decisivas em um roubo a Banco.
- Em Matemática, 3/5 não é igual a 6/10 enquanto processo de divisão da unidade; mas é igual naquilo que vale, ou seja, 3/5 e 6/10 representam a mesma parte da unidade.
- De modo geral, dizer igual naquilo que vale, em cada contexto, é dizer equivale, ou seja, a ideia de igualdade perde terreno para a ideia de equivalência.
- A noção de equivalência é muito fecunda: podemos falar de equações equivalentes, de objetos semelhantes como aqueles que são equivalentes quanto à forma etc.
- Uma maneira de a Matemática operar é a organização de conjuntos bagunçados por meio da identificação de classes de equivalência e a ordenação das classes.
- Os autos em circulação na cidade, por exemplo, podem ser organizados pela elação “o que vale é a cor”: daí, resultam as classes de autos “pretos”, “brancos”, “pratas” etc…
- Classificações inspiram ordenamentos, a qualidade gera a quantidade: há mais carros brancos do que pretos, são poucos os carros laranjas etc.
- A tecnologia é um espaço especialmente fecundo para a simbiose classificação/ordenamento: os algoritmos são um exemplo precioso.
- É muito diferente quando resolvemos um problema, mesmo no caso de solução ótima, ou quando resolvemos um problema típico de uma classe de problemas.
- No caso de resolvermos uma classe de problemas, ordenar tal solução em etapas consecutivas é construir um algoritmo.
- As classificações são férteis, portanto, ao encaminhar a solução não apenas de um problema, mas sim de uma classe de problemas; e viva os algoritmos…
- O par Igualdade/Desigualdade: as noções de Mérito, Equidade e Iniquidade
- O elogio da igualdade não pode conduzir ao desprezo pela diferença, nem à desconsideração da equidade, tampouco da desigualdade fundada no mérito.
- O exemplo da saúde é especialmente ilustrativo da insuficiência do simples pensamento igualitário: é preciso dar mais atenção a quem mais precisa.
- Atletas olímpicos têm desempenhos desiguais, assim como músicos ou artistas em geral: como considerar a realidade das hierarquias de desempenhos?
- Como negar o papel da competição, que inclui a colaboração e o trabalho em equipe, na busca de aperfeiçoamento, com a fé na perfectibilidade?
- Competência e competição são palavras com etimologia comum: com+petere é saber pedir (no sentido de buscar) junto com os outros.
- Competições com foco apenas em bens materiais podem conduzir à exclusão; quando se busca o conhecimento, podemos crescer junto com os outros.
- Na crítica sistemática à ideia de competição, não seria o modo de competir, ou o princípio the winner takes all, que estaria sendo questionado?
- As competições excludentes estão no cerne das disputas econômicas iníquas, em que o segundo lugar é o primeiro dos derrotados: é preciso colaborar.
- O combate sistemático à competição se funda em lembranças de desigualdades econômicas iníquas: 50% da população mundial vive com menos de 2 dólares/dia.
- Vemos crianças buscando alimentos em lixões, remédios sendo tratados como mercadorias, salários sendo mais taxados do que rendimentos do capital…
- Não se combate a iniquidade com a igualdade de renda generalizada: medidas como a postulação da dignidade humana como o valor maior vêm antes.
- Apontam na mesma direção a valorização do trabalho humano e o combate à mediocridade, ou à redução do sentido da vida à luta pelos meios de subsistência.
- O par Simetria/Assimetria: as noções de Dádiva, Autoridade e Ética
- A simetria mantém uma interface com a igualdade: a cada ação corresponde uma reação igual em intensidade, mas em sentido contrário, nos diz Newton.
- A lei é famosa, mas tem um calcanhar de Aquiles – no terreno da Ética, não nos conduz a mais do que a Lei de Talião: olho por olho, dente por dente.
- A aparência de legitimidade da simetria ação/reação também se dissolve no combate à violência; a frase “foi ele que começou” é fatal na justificativa do revide.
- Na constituição do ser humano, uma ação absolutamente assimétrica é fundamental: trata-se da dádiva, ou da ação de doar, de se doar, de presentear.
- O motor da dádiva, a motivação de base é a criação do laço: assim nasce um presente, nunca da ideia de troca de valores equivalentes.
- Para romper uma cadeia de violência, necessitamos sempre de uma iniciativa dadivosa: perdoar vem de per donare, da mais perfeita das doações, o perdão.
- A assimetria também é fundadora da ideia de autoridade; se autoria tem a ver com criação, autoridade relaciona-se com criação de ordem.
- Um espaço que traz a marca da assimetria é o do par direitos/deveres; a não garantia de meus direitos não me autoriza ao descumprimento de meus deveres.
- Aqui a simetria dá lugar à dualidade: é dever do Estado garantir os direitos do cidadão, mas é direito do Estado exigir que o cidadão cumpra seus deveres…
- Um dos espaços marcados pela assimetria é o do par autoridade/responsabilidade: a expressão “autoridade responsável” é um pleonasmo vicioso.
- No exercício da autoridade a partilha de responsabilidades pode conduzir naturalmente à ideia de corresponsabilidade, que tangencia a antissimetria.
- Especialmente interessante é a simetria em química e geometria, com a ideia de quiralidade, ou de objetos simétricos não superponíveis, como as nossas mãos.
**** SP/mar2023
SEED/SEMA 1º semestre 2023
FEUSP CRONOGRAMA DOS SEMINÁRIOS SEED E SEMA 1º semestre 2023
Seminários de Estudos em Epistemologia e Didática (SEED/Ano XXVII)Seminários de Ensino de Matemática (SEMA/Ano XVI)
Obs. Frequência livre via zoom - solicitar link por email para marisa.ortegoza@gmail.com
DATA | TEMA | EXPOSITOR | |
---|---|---|---|
1 | 10/03 | Um passeio pré-conceitual em espaços de significados do par Igualdade/Diferença | Nílson José Machado |
2 | 17/03 | Viemos do Oriente (Sobre os povos originários) | Cacildo Marques |
3 | 24/03 | Aspectos de Biogeografia e relatos de novas ocorrências entre espécies | Nadia Said Ávila |
4 | 31/03 | Artes Plásticas: As ideias de Torres Garcia | Ana Maria Liblik |
07/04 | Feriado - não haverá atividade | --- | |
5 | 14/04 | E por falar em Margem de Erro... | Lisbeth K. Cordani |
21/04 | Feriado - não haverá atividade | --- | |
6 | 28/04 | Os processos mentais e o pensamento numéricos: o sentido de número no ensino de Matemática | Leila Pessoa da Costa |
7 | 05/05 | Antônio Marmo de Oliveira: Importância na Educação Matemática e Científica | Paulo Ávila e Roberto Moisés |
8 | 12/05 | Semana de Arte Moderna (1922) - 100 anos mais um | Ana Lúcia Lupinacci |
9 | 19/05 | Tolerância, convivência e conflitos religiosos | Valdemar Setzer |
10 | 26/05 | Jacques Attali e a sabedoria: Tratado sobre o Labirinto | Lino de Macedo |
11 | 02/06 | Sobre o mal: uma reflexão a partir do pensamento de Terry Eagleton | Marisa Ortegoza da Cunha |
09/06 | Feriado - não haverá atividade | --- | |
12 | 16/06 | Um exemplo de Literatura não ficcional para jovens | Luís Carlos de Menezes |
13 | 23/06 | Quem é estoico levante a mão | Paulo Bedaque |
14 | 30/06 | Confraternização |
Sobre a ideia de Representação
Nílson José Machado
EMENTA
Vivemos em um mundo em que os objetos ou as pessoas são continuamente apresentados e reapresentados, ou representados. A Língua e a Matemática são dois sistemas básicos de representação da realidade, mas continuamente interagimos com representações simbólicas de diferentes escopos. Uma conversa em nível do senso comum sobre concepções de representação, incluindo comentários tópicos sobre as visões de Schopenhauer, Peirce, Cassirer, Duval, Goodman, Birch, Pitkin, entre outros, poderá nos conduzir à antessala do significado político de tal ideia; nada pretendemos, além disso.
ROTEIRO______________________________________________
– Representação: os signos e as coisas 2
– Representação: o significado do significado 3
– Representações mentais e semióticas 5
– Representações: quatro núcleos de significado 7
– Representações: duas modalidades básicas 10
– Coda: standing for acting 11
– Referências Bibliográficas 13
SP/maio/2022
NOTAS SOBRE A IDEIA DE REPRESENTAÇÃO
_____________________________________________________
Representação: os signos e as coisas
Vivemos em um mundo de coisas, que se multiplicam e se amontoam, mas Schopenhauer é incisivo: não existem objetos sem sujeitos, o mundo consiste em representações dos sujeitos, na objetificação e significação de nossas vontades. Em sintonia com Berkeley, o filósofo pretende que ser é ser percebido; tudo o que existe é resultado das representações de nossas percepções. As coisas são representadas por signos, que podem ter o caráter icônico, mimetizando o objeto representado, ou o caráter indiciário, como o que recorre à associação entre o todo e a parte representada, ou o caráter simbólico, em que a associação entre o representante e o representado é convencional e relativamente livre. As linguagens, como sistemas de signos, são ferramentas ou meta ferramentas para a representação, condição de possibilidade da ação comum, da comunicação. Representamos continuamente, e a vida humana alimenta-se das representações que produzimos, resultantes de nossa vontade de viver. Há cerca de duzentos anos, Schopenhauer nos chamou a atenção para tudo isso, em um livro seminal, escrito quando o filósofo tinha apenas 30 anos: O mundo como vontade e como representação. A língua nossa de cada dia é o mais fundamental de nossos sistemas de representação da realidade, caracterizando-se como um instrumento de humanização por excelência. Fazendo coro com Heidegger, Schopenhauer apresenta o ser humano como um ser da linguagem, que se alimenta continuamente das representações que prefigura e elabora. Uma oitava acima, na tessitura da vida, encontra-se uma atividade de representação de outro tipo, mas igualmente constitutiva do modo de ser do ser humano. Não se trata mais da representação de coisas por signos, para viabilizar a comunicação entre as pessoas, nem da interpretação de signos, para bem entender as pessoas, mas sim do recurso a pessoas para representar pessoas, em situações vitais, como a que ocorre nos processos políticos inerentes à vida em sociedade. A organização social não mais se pode fundar na democracia direta, que teve lugar por poucas décadas, em espaços geográficos restritos, envolvendo populações que não ultrapassavam alguns poucos milhares de pessoas. O caminho para a democracia representativa traz à lume uma necessária sistemática para a escolha de representantes de grandes contingentes de representados. Trata-se de uma ampliação expressiva e certamente não trivial na ideia de representação. Em que sentido os políticos que ocupam os espaços representativos do poder legislativo ou do executivo efetivamente nos representam? Qual o significado esperado de tal representação? Eis aí um tema para um prolongamento desta incipiente reflexão.
Representação: o significado do significado
Uma investigação sobre o significado de qualquer ideia, mesmo as que se expressam por palavras de aparência ingênua, não pode ignorar três fatos fundamentais: o contexto, a historicidade e a não-conceitualidade.
Em primeiro lugar, o significado de uma ideia/palavra sempre se constrói por meio de relações percebidas no contexto em que a ela se apresenta. Tais relações entre a ideia/palavra nova e outras já conhecidas são constitutivas do significado emergente, que sempre se traduz em um feixe de relações.
Em segundo lugar, o significado nunca se constrói de uma vez para sempre, ele sempre é impregnado de História. O próprio contexto, de onde são extraídas as relações constitutivas, é historicamente situado. A ideia de cidadania na Grécia antiga não é a que se professa nos dias de hoje. Os significados evoluem e continuamente se transformam. As ideias são como seres vivos. Para lidar com isso sem desandar no paradoxo aparente traduzido pela máxima “só sei que nada sei”, um único caminho se oferece: o estudo da História. Não é possível conhecer o significado de qualquer ideia/palavra sem uma mirada na História. Seja qual for o tema estudado, o recurso à etimologia ou à evolução histórica das ideias científicas é sempre fundamental. Os significados evoluem e se transformam, mas isso não ocorre de forma aleatória: as transformações também têm um significado. E o estudo da História apresenta precipuamente esta função: a busca da compreensão do significado das mudanças de significado.
Em terceiro lugar, significado não é sinônimo de conceito. Uma compreensão satisfatória de uma ideia/palavra pode se situar – e em geral se situa – na antessala dos conceitos, no terreno dos esquemas perceptuais, das apreensões associadas a alguma Gestalt, das noções pré-conceituais, que não podem ter nem a ambição dos conceitos, nem a precipitação dos preconceitos. Um cidadão não-filósofo convive muito bem com a ideia de tempo em seus usos habituais, ainda que não disponha de um conceito de tempo, que não parece algo trivial. Para se falar em conceito, são necessárias descrições precisas, classificações nítidas, ordenações/hierarquias adequadas e alguma expectativa de racionalidade/causalidade. De modo geral, a compreensão ordinária do cidadão comum exige muito menos. Ao registrar que nos contentamos com compreensões pré-conceituais, não podemos, no entanto, abrir qualquer mínima fresta para os sempre indesejáveis preconceitos. Um preconceito nada mais é do que uma ideia pré-conceitual que se arvora do estatuto de um conceito, o que é epistemologicamente inaceitável.
Dois autores especialmente importantes para a compreensão da não-conceitualidade das nossas compreensões ordinárias são Vygotsky e Wittgenstein. O primeiro nos chamou a atenção para a etapa intermediária do pensamento por complexos, no caminho para a formação de conceitos. O segundo deu especial importância ao fato de que o espectro de significados expresso nos usos de uma ideia/palavra como “jogo”, por exemplo, não conduz facilmente ao estabelecimento do conceito de jogo, deixando-nos numa antessala, que corresponde aos esquemas pré-conceituais. Wittgenstein cunhou o nome de “semelhança de família” ao conjunto dos usos e das acepções de uma ideia/palavra: entre dois membros quaisquer da “família, sempre é possível perceber elementos comuns, mas a busca de invariantes comuns a todos os membros da família pode resultar, e em geral, resulta em fracasso.
A busca de uma “semelhança de família” que contemple os usos ordinários da ideia/palavra “representação” é uma tarefa que importa realizar.
Representações mentais e semióticas
O acesso aos objetos da realidade se dá sempre por meio de representações. A Língua Materna e a Matemática são dois sistemas primários de representação; a Arte, a Religião, o Mito, a Ciência são outras formas de acesso à realidade. Cassirer investiu muita energia na busca de um diálogo entre as diversas formas simbólicas, produzindo uma obra seminal. Duval (2009) também deu sua contribuição a respeito de tal temática, pretendendo que não se pode conhecer, ou seja, compreender o significado, em qualquer tema, se não se distingue com nitidez um objeto de sua representação, ou de suas múltiplas representações. Apresenta a semiósis e a noésis como duas formas complementares de representação. A primeira delas consistiria na construção de uma linguagem escrita, que conduziria a uma representação semiótica do objeto; a segunda consistiria numa apreensão das ideias fundamentais na caracterização do objeto, traduzido, desse modo, em representações mentais. Segundo Duval, as duas etapas – noésis e semiósis – não ocorreriam independentemente uma da outra. Na noésis, o objeto seria traduzido em representações mentais; na semiósis, tais representações seriam traduzidas em representações semióticas, produzindo-se, assim, uma verdadeira polifonia na conjugação das múltipals formas de expressão. Duval conclui afirmando que a compreensão conceitual aparece ligada à descoberta de invariantes entre representações semióticas diversas. Apesar de parecer um sedutor caldo de galinha, tal expectativa precisa ser vista com certa cautela. Em primeiro lugar, nem sempre um invariante assim é encontrado, como bem o traduz a fecunda ideia wittgensteiniana de semelhança de família. Em segundo lugar, mesmo quando existem invariantes desse tipo, a compreensão conceitual pode não ser palatável no nível em que se realiza o discurso. Muitas e muitas vezes operamos de modo profícuo na antessala dos conceitos, na região fecunda e maleável das representações preconceituais consistentes, que justamente por não se pretenderem conceituais não correm o risco de serem taxadas de preconceituosas.
Representações: quatro núcleos de significado
Um trabalho especialmente relevante para um mapeamento das ideias sobre o tema em questão é o de A. H. Birch. Em sua tentativa de caracterização dos tipos de representação, Birch (1971) é incisivo ao pretender que todas as formas de representação podem ser incluídas em uma das quatro categorias – delegação, amostragem, simbólica ou política -, e insistindo ainda na independência lógica das categorias referidas, bem como na irredutibilidade de uma delas a qualquer uma das outras. Ele afirma textualmente que “não existe qualquer processo intelectual válido pelo qual os quatro tipos possam ser agrupados, como os quatro quadrantes de um círculo, para formar algo que possa ser denominado ‘a verdadeira natureza da representação’. São conceitos diferentes etimologicamente relacionados, mas não fazendo parte de um todo” (p.229).
Quando se ajusta o foco na ideia de representação, deixando de lado, tacitamente, a representação de objetos por signos, e pensando apenas a representação de pessoas, ou de grupos de pessoas, por outras pessoas, é possível situar quatro núcleos de significado para tal ideia. Três deles referem-se a relações sociais, políticas ou não; o quarto diz respeito mais diretamente à ação política. Uma primeira situação é a da representação como delegação, que ocorre, por exemplo, quando um advogado nos representa em um processo jurídico, ou, de modo geral, quando nomeamos uma pessoa para representar certos interesses especificados pelo nomeador em contextos determinados. Representantes comerciais, ou embaixadores também são exemplos efetivos de tal ideia de representação. Uma característica crucial na ideia de delegação é a da tarefa específica a ser realizada pelo representante, que delimita com nitidez a tarefa específica da representação. Esta primeira acepção é certamente a mais ampla, incluindo diversas variações, como mais adiante será visto.
Uma segunda situação é da representação como amostragem, em que o conjunto de representantes caracteriza-se como uma amostra da totalidade dos representados. No caso da constituição de colegiados, em diferentes contextos sociais, tal acepção costuma ocupar lugar de destaque. Se todos os membros da Câmara dos Deputados são agricultores, os industriais podem não se sentir bem representados. De modo geral, a ideia de amostragem estatística pode parecer sedutora em questões políticas ou sociais, mas existem limites para tal sedução. Ainda que, circunstancialmente, uma Câmara possa ser integrada por notórios criminosos, não parece aceitável advogar-se explicitamente pela eleição de um representante da bandidagem para o exercício legislativo.
Uma terceira acepção da ideia de representação se dá em nível simbólico, tal como ocorre com os signos na linguagem. A representação como símbolo é menos explícita, mas não é menos importante que as anteriormente citadas. O Presidente do país nos representa, tal como a bandeira representa o país, de uma maneira simbólica. Não se pode ignorar a força e a importância do simbolismo na organização social humana. Na arte, nos esportes, é quase desnecessário destacar a importância do simbolismo, que também está presente na liturgia associada aos cargos, tanto nos rituais religiosos quanto nos processos burocráticos do Estado, na legitimação das estruturas de poder. No terreno da política, a subestimação da força de simbolismos espúrios já demonstrou seus efeitos deletérios, em diferentes momentos da História.
Uma quarta acepção da ideia em foco é a representação política, que envolve delegação, amostragem e simbolismo, mas que apresenta certas características mais abrangentes que caracterizam sua especificidade. A consolidação do valor e da importância da Democracia é representada sinteticamente pelo aforisma de Churchill: trata-se da “pior forma de governo, com a exceção de todas as demais”. A questão fulcral, no entanto, é a da caracterização do regime democrático como forma de governo. A ideia de uma democracia direta, de um governo do povo, pelo povo, para o povo, realizado por meio de assembleias incluindo todos os envolvidos, há muito não faz mais sentido, tendo sido efetivamente realizada em algumas poucas décadas, envolvendo alguns poucos milhares de habitantes. O povo, como se sabe, já excluiu as mulheres, os escravos, os estrangeiros, os analfabetos, os sem posses. Com o natural e desejável alargamento da ideia de povo, as dificuldades crescentes da participação direta em assembleias conduziram o pensamento político à ideia de uma democracia representativa. Nela, o povo escolhe seus representantes, em geral por meio de eleições, e eles recebem uma autorização para agir em nome do povo, no exercício das relações sociais e políticas. Tal autorização, no entanto, apesar de se referir a todas as ações carentes de representação em sentido amplo, têm um prazo de validade fixado, que não pode ser muito longo, após o qual os representantes são cobrados e a representação pode ser renovada, em novas eleições. Autorização plena, cobrança de responsabilidades e renovação periódica são, pois, as marcas fundamentais da representação política.
Representação: duas modalidades básicas
Em seu seminal livro The Concept of Representation, Hanna Pitkin distingue fundamentalmente dois tipos de representação: as que se situam no âmbito do Standing for, e a que buscam as condições do Acting for. Em outras palavras, nas representações do tipo standing for, os representantes situam-se no lugar dos representados, constituindo uma amostragem ilustrativa, ou então, representam simbolicamente os outorgantes, não havendo uma referência direta à realização de ações efetivas em nome deles.
Como se verá a seguir, as ideias Birch conjugam-se harmoniosamente com as concepções de Hanna Pitkin, com seu insight fecundo, apenas aparentemente binário, do par standing for/acting for. Creio ser possível sintetizar as duas perspectivas na seguinte tipologia das representações:
– Representações Standing for tipo Amostragem e Standing for tipo Simbólica;
– Representações Acting for tipo Delegação para Fins Particulares e Acting for tipo Delegação para Fins Gerais.
Convergem, assim, para os significados de representações simbólicas ou como amostragem, apresentadas por Birch. Já as representações do tipo acting for referem-se diretamente a delegações de funções restritas no tempo e no espaço de significações, em que o outorgante encarrega o outorgado de agir por ele, nas condições estritas fixadas no contrato, ou então, apresentam um escopo mais amplo, como é o caso da representação política. Apesar de iluminadora, a distinção de Pitkin apresenta uma dificuldade conceitual reconhecida por todos os que se ocuparam com tal temática, denominado por muitos como o paradoxo da democracia representativa. Trata-se, no caso, da situação dilemática que consiste em garantir a participação do povo, fundadora da democracia, por meio justamente da delegação de tal participação a um conjunto de representantes. Não parece possível nem desejável o extremo de o representante subordinar continuamente suas ações à vontade dos representados, nem o outro extremo de agir por inspiração pessoal, independentemente dos representados, e até mesmo de modo conflitante com seus interesses. Outro problema conceitual importante é o fato de que as duas modalidades de representação sugeridas por Pitkin entrelaçam-se continuamente. Em situações concretas, o standing for é a antessala do acting for, constituindo, praticamente, uma modalidade única: standing for acting. A representação política apresenta-se como um complexo especialmente construído para a articulação das duas modalidades sugeridas por Pitkin. No âmbito da política, a escolha dos representantes busca espelhar os interesses da diversidade de opiniões, de classes de equivalência da sociedade, não no sentido estrito da amostragem estatística, nem ignorando questões fundamentais relativas aos valores que dão sustentação ao projeto nacional. Não parece razoável exigir-se que, como as mulheres constituem 51% da sociedade, a amostra de representantes mantenha tal proporção. Homens ou mulheres participam de representações políticas como cidadãos, extrapolando em muito as questões de gênero. Em outro contexto, conceitualmente similar, parece mais fácil o acordo com relação ao fato de que os criminosos condenados, ainda que numerosos, não devem fazer jus a uma representação política na mesma proporção de seu número.
Coda: standing for acting
De modo um pouco mais direto, seria possível afirmar que toda representação é sempre uma instrumentação para a ação, conjugando uma dimensão standing for e uma dimensão acting for. É sempre, portanto, uma mescla do tipo standing for acting. Tal fato não impede, no entanto, que, em alguns casos, sobreleve uma das duas dimensões, predominando a intenção do standing for, ou a do acting for. Em cada uma dessas duas vertentes, podem ser identificados dois tipos bem caracterizados, correspondendo a dois níveis de abrangência. No caso da vertente standing for, destacam-se a representação como amostragem, abrangendo um amplo espectro de possibilidades, todas subsidiárias de uma compreensão, mesmo sem vinculação direta com qualquer ação específica; e a representação simbólica, bem menos abrangente, que não extrai sua representatividade de elementos quantitativos, mas sim dos princípios e valores envolvidos. No caso da vertente acting for, uma bifurcação análoga se dá em decorrência dos diferentes níveis de generalidade dos fins da delegação. No caso das representações delegadas para fins específicos, limitados no espaço e no tempo, a autonomia dos representantes é mais limitada, e a satisfação direta dos interesses dos representados é condição de possibilidade de uma boa representação política, a delegação é acompanhada de uma autorização para a ação em nome dos representados. Naturalmente, tal autorização está associada a um mandato com duração fixada, que não pode ser retirado do representante, senão em situações excepcionais, e a uma imprescindível prestação de contas, especialmente ao final do mandato. Nesse sentido, é de Voegelin (1979) um alerta importante, no discernimento entre os papéis do representante ou do agente, tão próximos na delegação para fins particulares, e tão distintos no caso da representação política. Um agente é uma pessoa a quem um superior hierárquico atribuiu determinado poder para tratar de assuntos específicos; um representante em sentido político, no entanto, pode agir em nome da sociedade ou de valores maiores do que as peculiaridades ou os interesses mais idiossincráticos dos outorgantes de seu mandato. O caso específico da representação política, no entanto, poderá ser examinado com mais profundidade em outro momento.
********
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIRCH, Anthony Harold – Representation.London: Pall Mall Press and Macmillan, 1971
CASSIRER, Ernst – Ensaio sobre o Homem. São Paulo: Martins Fontes, 2012
CASSIRER, Ernst – Filosofia de las formas simbólicas (4 vols.) México: Fondo de Cultura Económica, 1971
PITKIN, Hanna Fenichel – The concept of Representation. University of California Press, 1967
VOEGELIN, Eric – A nova ciência política. Brasília: Editora da UnB, 1979.
FEUSP SEMINÁRIOS SEED – SEMA 2º Sem/2022
FEUSP Seminários SEED / SEMA Segundo semestre de 2022
TEMA | EXPOSITOR |
|
---|---|---|
12/08 | Autoridade, Disciplina: Constelações | Nílson José Machado |
19/08 | Cérebro, conceitos, livre arbítrio | Valdemar Setzer |
26/08 | A Flora no Parque Estadual do Juquery: sobre a conservação do cerrado paulista | Nádia Said Ávila |
02/09 | DEBATE: A Ciência vai casar com a Poesia (POIS É, POIS IA...) | Menezes (Org.), Flávia, Cacildo, et alii |
09/09 | Computação: Por que não usamos o sistema ternário de computação? | Marisa Ortegoza da Cunha |
16/09 | DEBATE: O Jogo com Regras e as Regras da Vida | Lino de Macedo (Org.) et alii |
23/09 | A quadrimembração do ser humano e os reinos da natureza | Valdemar Setzer |
30/09 | DEBATE: A Formação Profissional e o Mundo do Trabalho hoje | Nílson (Org.) et alii |
07/10 | ORIGAMI: Dobrando a Pirâmide de Quéops | Hideo Kumayama |
14/10 | Ártemis: da mitologia grega à Lua, um passo gigantesco | Paulo Bedaque |
21/10 | A Educação e o sentido transcendente da vida | Luciara Avelino |
28/10 | Artes Plásticas: As ideias de Torres Garcia | Ana Maria Liblick |
04/11 | Pensamento Computacional e os referenciais de Competência Digital | Ana Cláudia Loureiro |
11/11 | A Literatura integrando Currículos | Fernando Souza |
18/11 | Karl Marx era marxista? | Marcelo Léllis |
25/11 | As ideias de Franz Rosenzweig | Constanza Kaliks |
Coordenação: Nilson José Machado/Marisa O. da Cunha
Participação livre via ZOOM, às sextas, das 16h às 18h (Solicitar link a marisa.ortegoza@gmail.com)
Vias e desvios na ideia de Pesquisa em Educação
Sumário
1- Ensino e Pesquisa: uma integração natural
2- Projetos de Pesquisa: considerações acacianas
3- Universidade: o dogma da indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão
4- Universidade: sete desvios na ideia de pesquisa
5- Pesquisa: a superestimação da metodologia
6- Pesquisa: a artificialidade do referencial teórico
7- Pesquisa: o abuso da linguagem técnica
8- Pesquisa: a quantificação como camuflagem
9- Pesquisa: a opção pela caricatura
10- Pesquisa: os objetivos excessivamente modestos
11- Pesquisa: o número exagerado de citações
12- Pesquisa: cuidado com os cuidados
_______________________________________________________
1 – Ensino e Pesquisa: uma integração natural
É quase impossível ensinar sem fazer algum tipo de pesquisa. As duas atividades pressupõem a criação de centros de interesses em uma temática relevante, enraizada em contextos problematizadores. Nos dois casos, é fundamental explicitar perguntas nítidas a serem respondidas e objetivos claros a serem atingidos. Uma ação docente competente sempre inspira descobertas por parte dos alunos.
Não se trata de o professor simular, na aula, que desconhece os temas básicos que ensina, fingindo surpresas ou mimetizando a história das pesquisas científicas. O ensino e a pesquisa estão associados de modo natural ao aparecimento do novo. Para o aluno, a novidade pode referir-se ao conteúdo; para o professor, mais provavelmente ela estará relacionada à forma. Em qualquer caso, uma aula sempre representa a construção de novas significações.
O recado básico para professores é simples: quem acha que nada mais tem a descobrir e aprender em sua atividade docente, mais provavelmente nada mais tem a ensinar.
________________________________________________________
2 – Projetos de Pesquisa: considerações acacianas
Um projeto de pesquisa precisa delimitar uma temática, não pode dizer respeito a tudo. Em tal temática, é necessário expressar uma dúvida, um problema cuja solução se desconhece, uma pergunta nítida ainda sem resposta. Naturalmente, espera-se que seja apresentada uma justificativa da relevância de tal dúvida, pergunta ou problema a ser estudado.
Cabe ao pesquisador, por mais original que lhe pareça sua pesquisa, apresentar referências a trabalhos ou autores que examinaram questões análogas: afinal, o mundo não se inicia com seu projeto. É fundamental também que esboce a metodologia a ser seguida, ou seja, indique o tipo de pesquisa a ser realizada: de campo, bibliográfica, teórica… Para merecer a expectativa de resultados, um projeto deve ir além das boas intenções do pesquisador. E é de bom alvitre uma bibliografia específica, que revele as fontes principais da investigação a ser realizada. Tudo isso parece muito acaciano, muito óbvio, mas frequentemente não é levado em consideração.
__________________________________________
3- Universidade: o dogma da indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão
Na Universidade brasileira, a docência, a pesquisa e a extensão de serviços à comunidade são consideradas indissociáveis. Tal “dogma”, no entanto, em vez de qualificar a instituição, tem produzido alguns efeitos negativos nas práticas acadêmicas.
Não está em questão a exigência da pesquisa para a caracterização de uma Universidade; isso, porém, não deveria obrigar cada um dos docentes, em todas as etapas da carreira, a realizar projetos de pesquisa. Essa obrigação tende a minar a ideia de projeto, e levar o rótulo de “pesquisa” a ser utilizado em amplo rol de atividades menores.
Uma pesquisa exige temática relevante, sobre a qual temos uma dúvida sincera, traduzida em uma pergunta nítida, além da competência teórica para buscar uma resposta. A leitura de alguns “projetos de pesquisa” disponíveis em vários sites oficiais leva-nos a concluir que, se todos são obrigados a pesquisar o tempo todo, o efeito perverso é o inverso do esperado. E a ideia de pesquisa é completamente banalizada.
_________________________________________________________
4 – Universidade: sete desvios na ideia de Pesquisa
Analisando o mar de pesquisas acadêmicas atualmente produzidas, é possível constatar algumas de suas mazelas, sete das quais serão aqui apontadas.
A primeira é a superestimação do papel da metodologia, que funciona como um esconderijo para o conteúdo da pesquisa.
A segunda é a artificialidade do referencial teórico, que se torna um atestado de óbito independente do defunto.
A terceira é o abuso da linguagem técnica, o que dificulta a compreensão de quem não é cúmplice da investigação.
A quarta é o recurso à quantificação como uma camuflagem, enfatizando a máxima absurda de que “os dados falam por si”.
A quinta é a opção pela caricatura do que se pretende criticar, o que facilita a obtenção de resultados, mas a torna inócua.
A sexta é a fixação de objetivos excessivamente modestos, o que “condena” a pesquisa a ser bem sucedida, mesmo as irrelevantes.
A sétima é o número exagerado de citações, o que torna a pesquisa um repertório de ecos, ou de ecos de ecos: a voz do autor sequer é percebida.
________________________________________________________
5 – Pesquisa: a superestimação da metodologia
A palavra método deriva de metá (objetivo)e hodós (caminho): trata-se do caminho para atingir uma meta prefigurada.
A escolha do método é muito importante para quem sabe o que quer. Para quem não tem objetivos claros, ou tem dúvidas sobre as metas, recorrer à melhor metodologia é inócuo e pode até ser perigoso. Afinal, não há vento que ajude um barco sem rumo; e quem está indo para o inferno, se escolher o melhor caminho, morrerá queimado mais rapidamente.
Há pesquisas que se ocupam tanto da explicitação da metodologia que os objetivos visados são quase esquecidos e resvalam para um segundo plano. É como se a escolha de um caminho bem limpo e iluminado fosse sempre preferível, ainda que ele nada tenha a ver com o fim que se busca.
O método é sempre da ordem dos meios e os meios não devem preponderar sobre os fins. Afinal, como dizia Nietzsche, “quem tem um porquê, arruma um como”. A marca registrada de uma pesquisa é o objetivo que busca: a metodologia é sempre tributária de tal fim.
_______________________________________________________
6 – Pesquisa: a artificialidade do referencial teórico
Uma pesquisa pressupõe um referencial teórico, tácito ou explícito, mas não basta um referencial teórico interessante para caracterizar uma boa pesquisa. É comum uma ênfase à filiação a determinados autores ou linhas de investigação. Algumas se dizem “pesquisa-ação”, outras se pretendem “qualitativas”, muitas desfrutam do rótulo de “construtivistas”, ou de “sócio-interacionistas” etc.
A sedução de certos autores é tamanha que a referência a eles é usada como indício suficiente de qualidade. Uma citação de Piaget costuma encaixar-se bem em qualquer situação. Há casos em que os textos parecem dizer: “Esta pesquisa não recorre ao referencial teórico piagetiano, mas, se o fizesse, trataria de esquemas de assimilação/acomodação, da abstração reflexiva etc, etc.”
Entre a profissão de fé que o suposto referencial teórico representa e o efetivo trabalho realizado existe, muitas vezes, certo descolamento. Daí a resvalar-se para falta de integridade ou para a simples hipocrisia é apenas um passo.
________________________________________________________
7 – Pesquisa: o abuso da linguagem técnica
Em Amor y Pedagogia, Unamuno critica o cientificismo exagerado do final do século XIX. Chama de Cocotologia a ciência das ciências, que consistiria na “embananação” do banal, por meio do recurso a uma linguagem artificialmente sofisticada, para impressionar incautos. A construção de um passarinho de papel (cocotte) seria a gestação de um óvulo quadrado papiráceo; um bêbado seria um indivíduo etilicamente saturado; uma “conversa mole” seria uma tertúlia flácida; e assim por diante.
O fato é que a linguagem utilizada em certas pesquisas parece desnecessariamente cocotológica. A compreensão de temas acadêmicos supõe conhecimentos específicos, mas a comunicação do significado das pesquisas ao grande público deveria ser convertida em uma necessidade profissional.
O abuso do jargão técnico costuma ser indício de incapacidade do pesquisador na escolha de uma escala adequada para tratamento de seus temas. Ao mesmo tempo, é um desrespeito ao cidadão interessado que não é cúmplice do pesquisador.
________________________________________________________
8 – Pesquisa: a quantificação como camuflagem
Há quem creia, como Rutherford, que o qualitativo não é mais que um quantitativo pobre, mas o endeusamento dos números na realização de uma pesquisa pode ser igualmente caricato. Indicadores numéricos podem revelar relações de interdependência importantes e são muito bem vindos. Mas devem ser cautelosamente interpretados, uma vez que tanto podem esconder quanto revelar, ou traduzir meras trivialidades. A estatística presta-se especialmente a utilizações enevoadas e a inferências ingênuas ou descabidas.
Uma pesquisa exige uma temática relevante sobre a qual temos dúvidas sinceras, traduzidas em perguntas nítidas. A competência teórica na busca de respostas pode incluir a expressão numérica dos resultados obtidos, quando for o caso, mas os números virão sempre a reboque das ideias defendidas, para referendá-las ou refutá-las.
Nunca será prudente esperar que os números falem por si. E é bom lembrar que, se os números não mentem, mentirosos usam números: Figures don`t lie, but liars figure…
_______________________________________________________
9 – Pesquisa: a opção pela caricatura
A caracterização do problema a ser enfrentado é a ante-sala da formulação dos objetivos de uma pesquisa. Em tal etapa, é fundamental resistir à opção pela caricatura, que pode facilitar a tarefa do pesquisador, mas certamente mina os resultados da pesquisa.
Se “nenhuma pesquisa foi feita até agora sobre o tema”, isso tanto pode indicar o pioneirismo quanto a irrelevância do tema. Se nada do que foi produzido sobre a temática é relevante, o pesquisador pode ser um gênio, ou, mais provavelmente, um presunçoso. Se a defesa de um “novo papel do professor” baseia-se em crítica genérica ao “professor tradicional”, caracterizado como um monstro que apenas dá “aulas expositivas” e considera os alunos “receptáculos de conhecimento”, então é fácil ter objetivos quixotescos, mas o que se combate são moinhos de vento.
Ao amplificar artificialmente os problemas a serem enfrentados, fabricando caricaturas do existente, o pesquisador faz propaganda enganosa, correndo o risco de perder a credibilidade.
________________________________________________________
10 – Pesquisa: os objetivos excessivamente modestos
É comum em jovens pesquisadores a ambição desmesurada na caracterização do problema da pesquisa a ser realizada. A introdução histórica pode, às vezes, ser intitulada “Deus e sua época”. E a impressão que resulta da leitura da lista de objetivos é que nada mais restará por fazer, após sua conclusão. Tal fato geralmente tem cura: o próprio amadurecimento do pesquisador conduz a um maior discernimento nos recortes temáticos.
Um desvio menos benigno é o excesso de modéstia, ou a falta de ambição nos objetivos, o que condena a pesquisa a um “sucesso” morno e insípido. É o que ocorre quando tudo o que se pretende é “dar alguma contribuição ao estudo de…”, ou “fornecer alguns subsídios para…”, ou ainda, “verificar se, melhorando a formação do professor, melhora o nível dos alunos”, e assim por diante.
Há pesquisas que apresentam perguntas tão singelas e objetivos tão modestos que nem precisariam ser realizadas para respondê-las ou alcançá-los. Pesquisa: é preciso não usar seu nome em vão.
________________________________________________________
11 – Pesquisa: o número exagerado de citações
Deixemos de lado o desvio aético das citações cruzadas, trocadas como gentilezas: ainda assim, costuma ser exagerado o número de citações em grande parte das pesquisas. Coligidas de modo sincrético, seu uso nem sempre é adequado e elas podem esconder a voz do pesquisador.
Ninguém melhor do que Calvino, em Seis propostas para o próximo milênio, caracterizou o papel das citações em um texto:
se o discorrer sobre um problema fosse como transportar pesos, muitos cavalos poderiam transportar mais do que um só cavalo; mas o discorrer é como o correr, e um só cavalo árabe há de correr mais do que cem cavalos frísios…
Citamos um autor quando consideramos que ele disse o que queríamos dizer de uma maneira tão ágil, tão adequada ao que pretendemos que não convém parafraseá-lo. Partilhamos o sentimento do autor e acolhemos suas palavras em nosso texto e as fazemos nossas. Não nos escondemos atrás delas, nem nos limitamos a ecoá-las, ou a produzir ecos de ecos: a voz do citado torna-se nossa voz.
_________________________________________________________
12- Pesquisa: cuidado com os cuidados
Parafraseando o poeta, “são demais os perigos da pesquisa pra quem tem paixão”. Mas não existe vida – ou pesquisa – sem riscos, sem experimentação.
Um pesquisador apaixonado pode pecar por excesso ou por falta de ambição, pela paranóia ou pela frouxidão metodológica, pelo excesso de linguagem técnica ou pela pobreza terminológica, pelo pedantismo no recurso à teoria ou pela contenção nos limites do senso comum.
É importante ter cuidado para não derrapar em cascas de banana; mais importante ainda é ter CUIDADO COM OS CUIDADOS, para que eles não conduzam ao medo de correr riscos, que é como uma castração.
Viver é lançar-se para frente em busca de metas prefiguradas, mas não garantidas, sem levar demasiadamente a sério os limites. Como disse uma vez Cocteau, “não sabendo que era impossível, eles foram lá e fizeram…”
É preciso, pois, cuidar para que os CUIDADOS não provoquem um só aborto, não mutilem nem violem, não atropelem o momento, não censurem nem impeçam o natural crescimento.
________________________________________________________
*******SP/out2019
Referências Bibliográficas
Machado, N. J. – Ética e Educação. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012.
Machado, N. J. – Livro de Bolso da Formação do Professor. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2016
Senso Comum dos Direitos e Deveres
SENSO COMUM DOS DIREITOS E DEVERES
No senso comum, dever nos lembra dívida, obrigação, assim como o fazia, na escola clássica, o dever de casa. Por outro lado, direito remete intuitivamente ao que é reto, ao que não é torto, ao que é justo. Sentimo-nos obrigados a cumprir os nossos deveres, mas nos parece injusto que nossos direitos não sejam garantidos. Naturalmente, a justiça entrelaça direitos e deveres: é direito de todos e, em todas as circunstâncias, temos o dever de ser justos.
É importante destacar que há direitos que são inerentes a certos deveres, há certa dualidade entre direitos e deveres, mas não existe simetria entre os elementos de tal par. Se meus direitos não estão sendo garantidos, busco quem tem o dever de me atender, mas não posso me sentir liberado do cumprimento dos meus deveres. Afinal, é dever do Estado garantir os direitos do cidadão, mas é direito do Estado exigir que cada cidadão cumpra seus deveres. A garantia da Educação de qualidade é um exemplo de direito do cidadão e de dever do Estado.
SEED/SEMA 1º sem. 2022
Universidade de São Paulo / Faculdade de Educação (FEUSP) 1º SEM.2022
Seminários de Estudo em Epistemologia e Didática e em Ensino de MatemáticaFrequência Livre - Realização via zoom, das 16h às 18h
Para ter acesso ao link, enviar email para marisa.ortegoza@gmail.com
ORDEM | DATA | TEMA | EXPOSITOR |
---|---|---|---|
1 | 11/03 | Sobre a ideia de Verdade | Nílson José Machado |
2 | 18/03 | Desemparedamento da Escola: uma ação de política educacional de Jundiaí/SP | Vasti Ferrari Marques/ Eliane Reame |
3 | 25/03 | Café com Botânica | Nádia Said Ávila |
4 | 01/04 | Aritmofobia | Cacildo Marques |
5 | 08/04 | Liberdade, Igualdade, Fraternidade: passado, presente e futuro | Valdemar W. Setzer |
X | 15/04 | FERIADO | |
X | 22/04 | DIA APÓS FERIADO | |
6 | 29/04 | Avaliação da Aprendizagem: meio ou fim? | Rodrigo Serra |
7 | 06/05 | Notas sobre a Teoria Polivagal | Lino de Macedo |
8 | 13/05 | Hans Jonas: Responsabilidade, Ética, Tecnologia | Marisa Ortegoza da Cunha |
9 | 20/05 | Matemática e Literatura: uma simbiose necessária | Telma Pimenta |
10 | 27/05 | Corpo, Alma, Espírito: uma trimembração fundamental do ser humano | Valdemar W. Setzer |
11 | 03/06 | Pandemia e Educação: O novo normal, velhas questões | Luís Carlos de Menezes |
12 | 10/06 | Lentes perfeitamente estigmáticas: de um exercício a um plágio inesperado | Paulo Bedaque |
X | 17/06 | DIA APÓS FERIADO | |
13 | 24/06 | Psicologia e Mistério: a perspectiva de Franco Imoda | Ricardo Tescarolo |