A excessiva fragmentação disciplinar presente na escola conduziu a teoria educacional ao discurso das competências. O ápice de tal fenômeno ocorre no ensino médio, em que em torno de 15 disciplinas disputam as atenções de alunos com 15 anos de idade, ou um pouco mais. No passado, era claro aos nossos avós que, mesmo estudando tantas disciplinas, as competências desenvolvidas nos alunos até o final da escola básica podiam ser resumidas na tríade Ler, Escrever e Contar, ou “os três Rs” (Reading, Writing, aRithmetics, em países de língua inglesa). Atualmente, caracterizar a expectativa de formação escolar  por meio de tal tríade não provoca entusiasmo, e uma lista de competências expressas em linguagem mais sofisticada inclui as capacidades de expressão em diferentes linguagens, de compreensão de fenômenos em sentido amplo, de construir argumentações consistentes, de enfrentar situações problemas em diferentes contextos, entre outras. Tudo parecia caminhar bem, com uma explicitação progressiva do significado das diversas competências, sobretudo no que tange ao modo como o ensino dos conteúdos disciplinares propicia o desenvolvimento das pretendidas competências. Mas algo deu errado e o discurso teórico parece ter entrado em algum desvio. Em tempos recentes, a ideia de competência foi estendida de modo pouco cauteloso, passando a incluir um número cada vez maior de variantes e desembocando em um tormentoso mar de competências chamadas “socioemocionais”. Em consequência de tal fato, a impressão que se tem é a de que a fragmentação dos conteúdos disciplinares atravessou a ponte que deveria conduzi-los ao desenvolvimento das competências pessoais e contaminou o quadro de referência de tais competências. Em vez de um referencial sintético para substituir os três Rs e instrumentar as ações educacionais no caminho da mobilização dos conteúdos para a formação pessoal, a Base Nacional Curricular Comum, em vias de construção, apresenta uma lista de 10 competências gerais, mais 33 competências específicas na área de Linguagens, mais 9 na área de Matemática, mais 7 na área de Ciências Naturais, mais 23 na área de Ciências Humanas, totalizando 82 competências, tudo isto apenas com referência ao ensino fundamental; ao contemplar o ensino médio, a Base certamente ampliará em muito tal lista. O vírus da fragmentação mudou de lado, mas continua intacto. O risco de tal parafernália dar certo é, decididamente, muito pequeno.

*******SP 30-05-2017

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