É muito interessante tentar compreender os desvios semânticos de que padecem certas palavras de etimologias tão ricas. “Teoria”, por exemplo, é uma palavra de origem grega que significa “visão”. Trata-se, naturalmente, da visão que leva à compreensão. Em sentido amplo, ter uma teoria sobre certo tema é ter uma visão articulada de seus elementos fundamentais de modo a se produzir uma compreensão do tema. Somente com uma tal visão é possível uma ação consciente, um fazer em sintonia com a compreensão que se tem. Apenas por um desvio semântico, a ideia de teoria pode ser associada à mera contemplação, desvinculada da ação efetiva. O elogio da prática desvinculadamente da teoria é simplório e somente pode conduzir a uma ação cega. Algo análogo ocorre com a palavra “pragmática”. No latim antigo ela é associada a regras práticas para cerimoniais, da corte ou da igreja, mas desde Peirce (1839-1914), um filósofo fundamental que se situa na origem da constituição da Semiótica, ou na ciência dos signos, a pragmática é associada ao estudo das linguagens em seu nível mais profundo. Não nos basta conhecer as regras sintáticas para a constituição dos signos ou das mensagens: o estudo do significado, ou das relações entre os significantes e os referentes extralinguísticos é absolutamente fundamental, constituindo a dimensão semântica da linguagem. Mas uma compreensão mais plena do funcionamento e do papel desempenhado pelas linguagens exige que se leve em consideração os enunciadores, os participantes do jogo linguístico, o contexto em que as mensagens se inserem: trata-se da dimensão pragmática da linguagem. Tal escalonamento de níveis é da lavra de Peirce e situa a pragmática nos níveis mais elevados dos estudos da linguagem. Dói nos ouvidos mensagens da mídia que, ao registrar a ocorrência de um crime hediondo, com requintes de perversidade, enunciam: “é coisa de profissional”, identificando o profissionalismo à mera capacidade técnica, sem o compromisso imprescindível com os valores que tal noção pressupõe. Do mesmo modo, o registro de expressões do tipo “sejamos pragmáticos” no sentido de “sejamos práticos” incomoda bastante. A associação da pragmática à etiqueta dói nos ouvidos.

*******SP 27-01-2017

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