Para prefigurar a escola que queremos, tendo em vista planejar ações que conduzam à sua construção, é necessária uma tentativa sintética de compreensão da realidade educacional.

Nosso ponto de partida é uma insatisfação com o desempenho do sistema educacional nos níveis fundamental e médio. Há cem anos Dewey já nos alertava: uma Educação Básica de qualidade é condição de possibilidade da plena vigência da Democracia. Ter apenas um dos elementos do par Democracia/Educação é como aliviar de uma pena de morte alguém que foi condenado a duas de tais penas.

O Ensino Superior e a Pós-Graduação também apresentam problemas, muito mais discretos, no entanto, quando comparados aos da Educação Básica, que deveria ser o centro das atenções do Poder Público. No caso brasileiro, tal recado parece não ter sido devidamente assimilado e as atenções parecem excessivamente voltadas para a Universidade e a Pesquisar.

Naturalmente, não faz sentido contrapor um nível de ensino a outro. Na verdade, o sistema público de ensino, em seus diversos níveis, precisa ser pensado como um corpo único, com seus diversos órgãos em perfeito funcionamento: se a doença atacar um dos órgãos poderá eivar todo o sistema. Reiteramos, no entanto, que situar a Escola Básica no centro das atenções é um ponto absolutamente consensual.

No caso do Estado de São Paulo, convivem um Ensino Superior público reconhecidamente de bom nível, uma rede de escolas técnicas muito bem conceituada, e uma Escola Básica que, globalmente, deixa muito a desejar.Não cabem aqui generalizações infundadas. A despeito das condições de funcionamento e de trabalho dos envolvidos, existem dezenas de escolas públicas de nível fundamental e médio com desempenho excelente, mas no universo de alguns milhares de escolas, a grande maioria não funciona adequadamente. O que fazer diante de tais fatos? Três pontos merecem especial atenção.

Um primeiro ponto é o fato de que o enorme tamanho da rede costuma ser responsabilizado pelas dificuldades na gestão do sistema, justificando a existência apenas de ilhas de experiências interessantes e bem sucedidas, em um mar de problemas a serem enfrentados. As dimensões da rede escolar estadual, no entanto, são também responsáveis pela riqueza epela diversidade de experiências, nas referidas ilhas de excelência. Existem escolas de boa qualidade na rede e as ações a serem delineadas não podem pretender que se deve partir do zero, que tudo está por ser feito, sob pena de desestimular justamente as melhores escolas. Identificar e apoiar as escolas que funcionam bem, aprender com elas e promover uma espécie de “contágio” na rede é um objetivo crucial a ser desenhado no horizonte das propostas.

Um segundo ponto, diretamente relacionado com o primeiro, é o fato de que a Secretaria de Estado de Educação em São Paulo tem uma história de experiências interessantes, que foram amortecidas por diferentes razões, mas que têm uma força latente, tanto em termos de materiais quanto em termos de pessoal capacitado, a ser mais bem explorada. O Currículo do Estado de São Paulo, por exemplo, antecipa em quase dez anos muitas das questões que estão sendo tratadas de modo controverso na preparação da Base Nacional Curricular, encaminhando soluções que mereceriam as atenções dos atuais elaboradores. Tanto no que se refere aos currículos e materiais de ensino, quanto no que tange à formação de professores, a história da antiga CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas), ativa e produtiva desde a década de 1980, e seu atual prolongamento, a EFAP (Escola de Formação de Professores), estão associados a um repertório de iniciativas muito fecundas, que não podem ser simplesmente esquecidas. É fundamental revigorar ç çalgumas de tais experiências, incorporando naturais atualizações. Novamente aqui é necessário reiterar que, em nenhum sentido, pode-se pretender que se está operando a partir do zero.

Um terceiro e decisivo ponto é o fato de que é urgente uma melhoria acentuada na qualidade da Educação Básica. Nada parece mais importante, no terreno das ações educacionais. Um esforço coletivo para que se logre tal intento em curto prazo não pode dispensar a colaboração efetiva de qualquer agente competente. A aproximação e a solidariedade entre os três níveis do ensino público seriam imprescindíveis. Um tratamento de choque – como o que se estabelece nas disposições transitórias, quando se muda uma lei magna, como a Constituição – seria interessante. Em um pequeno período de tempo – de três a cinco anos, talvez –e salvo em casos excepcionais, os professores das universidades públicas, aposentados ou não, como em uma força-tarefa, irmanados com os da educação básica, deixariam de lado provisoriamente suas mais caras pesquisas, seus mais alentados projetos pessoais, tendo em vista a produção, no âmbito de suas competências, de um ponto de inflexão na melhoria da qualidade da Educação Básica. Somente uma medida de tal ordem, que simbolizasse um envolvimento, uma participação, uma assunção tão nítida de responsabilidades poderia transformar significativamente a situação vigente, evidenciando o papel das universidades na construção de uma ordem social mais justa.

****** SP/8-3-2016

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