Em quase todos os contextos, a conotação é nítida: “analógico” quer dizer “velho”; “digital” quer dizer “novo”. A televisão propõe-se a substituir o velho “A”  de analógico pela nitidez digital. O editorial do jornal (FSP, 23/04/2016) sugere que devemos temer ou desconsiderar determinado político em razão de ele ser analógico em uma era digital. No texto, o máximo de explicitação das razões de tal temor é o fato de que tal político seria “dado a conversas para a formação de consensos”, mas o momento presente exigiria certa assertividade, similar, talvez, à nitidez das telas. Não está atento o jornalista ao fato de que as grandes empresas de informática estão investindo na produção de robôs que sejam capazes de conversar com seres humanos, os chatbots, uma mistura de chat com robots. O político em questão poderia até ser considerado moderninho. Mas a realidade é simples assim: velhos não são digitais. Repetida cotidianamente, a mentira passa a parecer verdade, e a vida continua. O fato, no entanto, é que a caracterização binária do mau/analógico e do bom/digital é uma grande bobagem. Como seres humanos, nosso modo de operar é essencialmente analógico. Se um espinho nos fere o dedo, não é um sinal que vai para o cérebro, um simples sinal do tipo vai ou racha, sinto ou não sinto. Milhares e milhares de sinais são enviados paralelamente. Uns chegam, outros não. Os que chegam atravessam os humores do corpo, aqui e ali. Chegam, digamos assim, matizados pelos bons ou maus humores. Não funcionamos na base do liga/desliga. Ligamos e desligamos aos poucos. A vida decorre durante tais processos. Amamos e nos relacionamos com os outros analogicamente. Nascemos e nos esvaímos analogicamente. A tecnologia esforça-se ao máximo para nos fazer admirar o digital e subestimar o analógico. Mas a imagem da TV é tão boa que parece uma pintura… Simbolicamente, o sucesso do digital sempre se dá por meio da imitação do analógico.

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