Uma equipe de doze crianças tailandesas, juntamente com seu treinador, ficou perdida ao longo de nove dias, no interior de uma caverna aparentemente inexpugnável. Isolados do mundo exterior por sifões de água suja, em compartimento escuro, com pouco ar e parca alimentação, foram, afinal, localizados, mas um monumental quebra-cabeças logístico foi enfrentado pelas equipes de resgate. Bombeiros, mergulhadores, médicos e centenas de profissionais de diversas competências técnicas buscaram equacionar o problema por todos os meios imagináveis, mas, decididamente, a tarefa não seria fácil. Para encurtar a história, após vários dias de meticuloso planejamento, o resgate foi realizado, com todas as crianças salvas, bem como seu treinador.

Os jornais diários noticiaram fartamente toda a epopeia, que sensibilizou e mobilizou o planeta, mesmo o evento tendo ocorrido durante a Copa do Mundo de Futebol (2018). Aos 40 mergulhadores tailandeses, uniram-se mais de 50 profissionais de mergulho de outros países, e uma equipe de mais de 1000 profissionais trabalhou dia e noite em busca da preservação da vida das crianças e de seu treinador. Os crentes rezaram, os descrentes torceram, ninguém ficou indiferente ao que ocorria no interior de uma caverna tailandesa, envolvendo um pequeno número de seres humanos em formação. Nenhum esforço foi poupado, nenhuma dúvida sobre o significado e a relevância da tarefa coletiva, assumida solidariamente por tantos participantes de tão diversos países. Muitos sofreram muito e sentiram profunda e sinceramente as dores das crianças e das famílias envolvidas, independentemente de seu número. Mesmo com a ocorrência da morte acidental de um dos mergulhadores, o elenco maior de valores humanos envolvidos não abriu qualquer espaço para uma contabilidade utilitarista, não houve registro de qualquer dúvida com relação à pertinência da dedicação dadivosa de todos os envolvidos.

A despeito do sofrimento e do sentimento de angústia ao longo do evento, episódios como o das crianças tailandesas acendem em cada um de nós uma chama de esperança no imenso repertório de valores e de possibilidades de cada ser humano. A fé na perfectibilidade humana é um alento sublime que nos mantém vivos. Mas a vida humana, que certamente inclui a dimensão animal, sem se limitar a ela, precisaria ser repensada. Como há muito nos lembrou Ortega y Gasset, o que chamamos de Biologia não passa de uma Zoologia Humana. As palavras bio e zoo são de origem grega e significam vida, mas em sentido diverso. Zoo refere-se à vida em sua dimensão animal, do corpo físico, enquanto bio refere-se à vida em sentido humano, a vida com a palavra, juntamente com os outros, a vida do homem como animal político. As Copas do Mundo, as Olimpíadas, contribuem para nosso aperfeiçoamento na dimensão animal, latente em cada um de nós; são competições zoológicas. Seria necessário criar Olimpíadas Biológicas, em que os seres humanos competiriam para se tornar melhores como seres humanos, corpo e alma, razão e sentimento, física e mentalmente. O grande desafio é o do aperfeiçoamento de cada ser humano como pessoa. Enquanto não existirem Olimpíadas desse tipo, as cavernas tailandesas têm mais a nos ensinar, a nos fazerem crescer como seres humanos, do que as competições esportivas no sentido atual.

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