Conversar é trocar ideias, é possibilitar a circulação de opiniões, sem o peso da intenção do convencimento. É como fazer um exercício mental juntamente com os outros, sem o envolvimento em uma disputa. Não existem vencedores ou vencidos em uma boa conversa.

Convencer, por outro lado, remete-nos imediatamente à argumentação, ao enfrentamento de um ponto de vista oposto. É como se fosse uma luta, mesmo virtual, como uma partida de xadrez. Ainda que não seja inevitável, podem ocorrer descuidos verbais que conduzam à desagradável sensação da bifurcação entre vencedores e vencidos.

O melhor antídoto para isso é uma pitada de etimologia: convencer é vencer junto com o outro, é chegar à compreensão do objeto da disputa em sintonia com o oponente. Um desvio fatal para uma boa conversa é justamente a mudança de perspectiva, fazendo-a adentrar o eixo orientado pela argumentação, e assumir as intenções de convencimento.

Uma boa conversa pode nos esclarecer sobre certos fatos, mas nunca é absolutamente constrangida pela necessidade da busca da verdade: a carência a ser preenchida é da sintonia de opiniões. Já a argumentação situa-se em um eixo em que a verdade e a mentira são fundamentais. Quem argumenta defende a verdade de uma proposição, que é sua conclusão, tendo por base a verdade das premissas alinhadas.

A corrupção de uma argumentação é uma trapaça, que mantém o compromisso com a verdade, ainda que de forma negativa. Já a corrupção de uma conversa não a transforma em uma mentira, uma vez que esta, como o eixo argumentativo, mantém um compromisso com a verdade, na verdade com a negação da verdade…

A corrupção de uma boa conversa a transforma em algo sem vida, sem coerência  interna, no terreno das ideias do enunciador, nem sintonia com as opiniões do parceiro. Se o oposto de uma boa argumentação é uma trapaça, o contrário de uma boa conversa é o que sugere o titulo de um pequeno livro do filósofo Harry Frankfurt. Em inglês, foi publicado como On Bullshit; em português, o título escolhido foi Sobre falar merda.

Uma parte não desprezível do que circula nas redes informáticas, particularmente as chamadas Fake news,  não constitui uma argumentação, não tem a arquitetura de uma trapaça, nem a de uma simples conversa: o rótulo frankfurtiano parece mais adequado a tal desvio.

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