Uma vida é medíocre quando se esvai na busca dos meios para garantir a subsistência. Medíocre é quem não tem projetos, não está se lançando em busca de fins ou objetivos sustentados por valores socialmente acordados. Medíocre é quem não tem projetos pessoais, vivendo apenas em função dos meios de subsistência. Quem tem como objetivo apenas ganhar cada vez mais e mais dinheiro, sem que isso configure um meio para a realização de um projeto sustentado por valores mais amplos, certamente é medíocre. Pode chegar a ser muito rico, mas não escapará do selo da mediocridade. Platão caracterizava o escravo como aquele que não tem projetos pessoais, vivendo apenas para realizar o projeto dos outros. Ter um salário ou não é um pormenor: há escravos não remunerados, mal remunerados e bem remunerados. É importante destacar que não existe uma clivagem nítida entre interesses pessoais e coletivos. Não se pode ter projetos pelos outros, mas não se vive sem projetos com os outros. Na verdade, é muito difícil para qualquer um de nós explicitar um projeto que acalentamos, que semeamos, é que diz respeito apenas a nós: em situações normais, partilhamos metas com muita gente querida, na família ou no trabalho. Entretanto, trabalhos desinteressantes, que não respondem a nossos anseios pessoais mais íntimos, tendem a nos escravizar. O sentido da vida encontra-se frequentemente associado ao sentido das tarefas que realizamos. A perda do sentido do trabalho é a nova face do desconforto, do desalento, da escravidão contemporânea. O discurso da criatividade e do empreendedorismo tem sido um paliativo importante, que mantém viva, em micro contextos, a ilusão do sentido do trabalho. Mas o nó górdio da questão situa-se bem além. O fato de o conhecimento ter-se transformado no principal fator de produção ainda não foi suficientemente digerido pelos gestores da economia mundial. Não falta o que fazer no mundo: há tarefas ingentes e pessoas dispostas a realizá-las: faltam pacotes de atividades remuneradas para concretizá-las, faltam empregos condizentes com a condição humana de ser projetivo. O próprio PIB ainda não assimilou bem a ideia do conhecimento como um valor, incorporando apenas parcialmente tal riqueza: ninguém sabe direito como fazê-lo. O conceito de mercadoria é insuficiente, a circulação dadivosa é incompreendida, a ideia de commons, ou de bem a ser livremente partilhado (Ostrom, 2009) ainda é incipiente. Nesse cenário, o trabalho escraviza a muitos e a aposentadoria precoce é um sonho incongruente, é uma válvula de escape apenas aparente.

*******SP  01-12-2016

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