A ideia de Sociedade é mais abrangente do que a de Política, que se realiza em múltiplos espaços sociais, e não apenas pelos pertencentes aos organismos do Estado, entre os quais se incluem os constituintes do Governo, que representam a Sociedade nas diversas instâncias do poder. A forma predominante de Estado nos tempos atuais é o Estado Nação, não havendo dúvidas, no entanto, sobre a existência de Estados multinacionais, nem quanto à instável sobrevivência de nacionalidades que não lograram organizar-se na forma de um Estado. De modo geral, a ideia de Cidadania é associada a um determinado Estado, e consiste na garantia de direitos, na busca de uma articulação justa entre o interesse individual e o interesse coletivo. A liberdade no plano da Cultura, a igualdade perante a Lei, e a fraternidade no âmbito das necessidades vitais constituem direitos mínimos de todo cidadão, e estão em cena desde a Revolução Francesa. Entretanto, se um postulado político moderno é o de que todos somos iguais como cidadãos, isto não elimina o fato basilar de que todos somos diferentes como pessoas.

A ideia de Pessoa, que é muito mais recente em termos de séculos, diz respeito à garantia de direitos às diferenças no que se refere a nossos projetos individuais. Iguais como cidadãos, somos diferentes como pessoas, e nenhuma contradição pode ser associada a tal fato. Somente o respeito às leis que garantem a igualdade de todos os cidadãos possibilita a garantia de vivenciarmos nossas diferenças pessoais.  A pessoalidade tem um sentido mais amplo do que a cidadania. No terreno social, uma oitava acima, a nacionalidade constitui a pessoalidade dos Estados. Numerosos conflitos entre Estados resultam de relações de intolerância em decorrência de projetos nacionais conflitantes. Em consequência de tal associação, os nacionalismos têm sido considerados, muitas vezes, suspeitos, ainda que a pretensão de eliminá-los seria uma ação similar à destruição da pessoalidade, no interior de uma Sociedade. Para uma regulação internacional dos direitos e dos deveres dos Estados, carecemos de uma legislação internacional que seja efetivamente respeitada, assim como tentamos fazê-lo, no plano individual, com a Declaração Universal de Direitos Humanos. Um fator complicador em tal feixe de relações é a ideia de patriotismo.

Pátria e Nação são palavras com significados distintos, ainda que as ideias de patriotismo e de nacionalismo sejam, às vezes, como curvas aproximadas pela mesma reta tangente. Em ambas, encontram-se presentes a partilha de uma língua, de um território e de valores de uma cultura, mas a clivagem fundamental na caracterização de ambas é a que subjaz ao par logos/pathos, ou razão/sentimento. O amor, por exemplo, é um elemento fundamental em tal distinção: quase todo mundo diz que ama sua Pátria, e a despeito de todo respeito à nacionalidade, não é comum declarar-se amor a uma nação. Outro exemplo sintomático refere-se à honra como um valor: ao Estado Nacional devemos respeito, mas o sentimento de honra é naturalmente associado à Pátria. Por outro lado, a busca de uma regulação lógica das relações internacionais baseia-se na expectativa de uma racionalidade na diversidade de projetos, tanto no nível individual quanto nos projetos coletivos.

Outro elemento distintivo na explicitação das distinções entre os elementos do par Pátria/Nação diz respeito à função da Família na organização social. Nascemos no seio de uma família, e as famílias são reguladas por relações afetivas. Não escolhemos racionalmente nossos familiares, eles constituem nossas circunstâncias e sem elas não existimos, como bem lembrou Ortega y Gasset. Uma oitava acima, de maneira similar, em geral não escolhemos a nação em que nascemos. A ocorrência natural é a da relação dadivosa, movida por sentimentos, tanto no âmbito da Família quanto no lugar em que nascemos. A ideia de Pátria se explicita fundamentalmente na relação com a Família. As inclusões sucessivas Cidadão<Pessoa<Nação<Sociedade correspondem, similarmente, às correspondentes Indivíduo<Família<Pátria<Humanidade. Assim como não faz sentido, diante de problemas familiares, querer mudar de família, também não deveria fazê-lo, nos desencontros patrióticos, querer escolher outra Pátria. Foi, talvez, para fugir de tal anomalia que Fernando Pessoa declarou: “Minha Pátria é a Língua Portuguesa”.

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