A palavra “pessoa” tem origem latina: per sonare, ou “soar através de”. Persona era a máscara que os atores usavam, ao representar. A ideia de pessoa está, portanto, associada à representação de papéis. Cada um de nós já nasce representando um papel, no âmbito da família: o de filho de alguém… Aos poucos, vamos nos constituindo como um feixe de papéis, nos mais diversos âmbitos, na família, na escola, no trabalho… Na vida em sentido amplo, uma pessoa é associada, então, ao feixe de papéis que socialmente representa.

É muito frequente o uso indiscriminado das palavras “pessoa” e “indivíduo” como se tivessem o mesmo referente. Etimologicamente, no entanto, as origens são muito distintas. “Indivíduo” tem origem em individuum, que, em latim, quer dizer “aquilo que não se divide. Certamente, uma pessoa não pode ser cindida, é um indivíduo no sentido acima referido, mas o foco da caracterização da ideia de pessoa é a representação de papéis, tanto individualmente como com os outros, ou para os outros. Não parece fazer sentido pensar-se numa pessoa como um indivíduo isolado.

Em grego, a palavra correspondente a indivíduo é “átomo”. Um átomo, na origem da palavra, representava aquilo que não se podia dividir, um a tomo, ou “sem divisão”. Atualmente, um átomo já foi subdividido em centenas de partículas menores, mesmo continuando a se chamar átomo. O que aqui importa analisar, no entanto, é uma possível aproximação semântica entre as ideias de átomo e de pessoa.

De início, tal alegoria não parece razoável. Afinal, uma sociedade é constituída por uma rede de relações pessoais, de relações sociais, não se parecendo em nada com um amontoado de átomos isolados. O dualismo parece fecundo: uma pessoa é um feixe d(e relações sociais, e uma sociedade é uma rede interligada, multiplamente tecida, de relações pessoais. A comparação, no entanto, é levada a efeito de modo denso pelo físico teórico Mark Buchanan, em seu intrigante livro The Social Atom (2007).

O foco de Buchanan não é o da insuficiência do isolamento do indivíduo/átomo na caracterização da pessoa como um feixe de relações sociais, mas sim os padrões segundo os quais os átomos se combinam para formar as moléculas das diversas substâncias. Não basta conhecer as propriedades do Hidrogênio e do Oxigênio isoladamente para daí derivar as propriedades da água, ou da molécula H2O. Numa síntese talvez um pouco aligeirada (um pouco apenas, espero), na construção da sociedade, as características “pessoais” dos indivíduos importariam menos do que os padrões de ligações entre eles… É certo que uma reunião de pessoas honestas não é suficiente para dar origem a uma sociedade honesta, mas essa subestimação da importância das qualidades e dos valores pessoais na constituição dos valores coletivos, socialmente acordados, é um tanto assustadora. Como um cientista competente, Buchanan aposta na Ciência como uma garantia da positividade dos valores humanos, e segue em frente. Não é tão simples, no entanto, partilhar de tal otimismo.

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