Poucos anos separam dois diagnósticos opostos sobre a função do jornal, da lavra de dois notáveis escritores. Em meados do século XIX, Machado de Assis publicou um artigo no jornal Correio Mercantil, intitulado O jornal e o livro, em que arrisca uma previsão sobre a inevitável derrota do livro, diante da agilidade da publicação dos jornais. Destaca a força do instrumento que considera adequado às demandas políticas da época e afirma, sem meias palavras, que o jornal é uma expressão, é um sintoma de democracia.

Poucos anos separam uma previsão não menos incisiva sobre o tema, da lavra de Eça de Queiroz. Numa das cartas publicadas no livro A correspondência de Fradique Mendes (“A Bento S.”), Eça exara uma opinião absolutamente distinta do otimismo machadiano. Em carta encaminhada a Bento S., Mendes, que era o pseudônimo utilizado por Eça em seus escritos poéticos, critica a intenção do amigo de criar um jornal, registrando as seguintes considerações:

“A tua ideia de fundar um jornal é daninha e execrável… Tu vais concorrer para que no teu tempo e na tua terra se aligeirem mais os Juízos ligeiros, se exacerbe mais a Vaidade, e se endureça mais a Intolerância. Juízos ligeiros, Vaidade e Intolerância – eis três negros pecados sociais que, moralmente, matam uma sociedade!”

É praticamente impossível não reconhecer que Eça e Machado foram atropelados pelas tecnologias informáticas, que surgiriam mais de cem anos depois, e que assumiriam o protagonismo tanto na agilidade na circulação de informações, quanto na exacerbação das características negativas referidas, associadas ao funcionamento de instrumentos como a rede www, nas chamadas redes sociais. A transformação das funções exercidas pelos jornais, atualmente, é notável: buscamos suas páginas não mais para recolher as notícias fresquinhas, disponíveis continuamente na rede, mas cada vez mais para apreciar as análises de comentaristas confiáveis, nas diversas áreas cobertas pelos jornais.

Tinha razão Machado, em seu elogio à agilidade jornalística, que durou muito pouco, sendo atropelada por outros meios; e tinha razão Eça, ao temer, sobretudo, o aligeiramento dos juízos, resultantes de uma divulgação quase sempre acrítica, de temas originados precipuamente em mera vaidade, ou na suprema intolerância de se achar que cada pequena ocorrência no mundo privado de um pretendente a youtuber pode interessar ao espaço público de pseudo famosos de araque.

O fato é que Eça e Machado atiraram no jornal e acertaram nas redes sociais.

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