Em sentido formal, as teorias são constituídas por conceitos, que operam como focos concentrados de luz, iluminando racionalmente as ações. A realidade, no entanto, não se deixa apreender facilmente, ou mesmo se representar apropriadamente por teorias formais. No exercício cotidiano da linguagem, na comunicação entre as pessoas, a maleabilidade das noções, a plasticidade dos esquemas preconceituais opera muito mais eficazmente do que o pretenso (e muitas vezes precoce) rigor conceitual, quase sempre manejado de modo ingênuo ou imprudente.

Ocorre, no entanto, que instrumentos preconceituais, como os esquemas, raramente são reconhecidos como instrumentos prestigiosos. O risco de desandarem em elementos anárquicos ou desestruturados, com a consequente perda de poder explicativo, encontra-se presente, ao lado do risco similar de serem vaidosamente extrapolados os limites de sua eficácia: assumindo-se como se fossem conceitos eles acabam, assim, por se converter em detestáveis preconceitos.

Uma contribuição efetiva à valorização das noções e dos esquemas decorre da ideia de “constelação”, da lavra de Adorno, em seu importante trabalho Dialética Negativa, obra de referência da chamada Escola de Frankfurth.  O modo de operar de uma constelação pode ser associado ao funcionamento da linguagem ordinária, que não define rigorosamente o que denomina, construindo, em vez disso, uma rede de relações entre o termo novo, cujo significado se constrói, e outros termos de significados já conhecidos. As palavras se esclarecem mutuamente, por meio de tais conexões mútuas. As noções ou os esquemas preconceituais articulam-se em diversos focos de luz, que se entrecruzam sem a eficácia da concentrada razão iluminista, mas que colaboram para revelar o que vai além do foco, os elementos coadjuvantes ou mesmo figurantes, que, de outro modo, seriam deixados à sombra. A própria ideia de verdade é mais facilmente construída por meio de uma constelação do que a partir em uma única concepção, no âmbito de determinada teoria. Assim, colaborativamente, operam as constelações.

Gadamer, outro  eminente frankfurthiano, em sintonia tácita com Adorno, produziu uma ideia especialmente fecunda no que se refere à construção do significado. Ela se compõe perfeitamente com a noção de constelação: trata-se da noção de “fusão de horizontes”. Como se sabe, as percepções pessoais dão sentido às palavras e às coisas, mas a construção do conhecimento pressupõe a possibilidade de partilha de tais sentidos, o que corresponde à construção do significado que se apreende. O significado constitui a parte partilhável dos sentidos. Apesar de idiossincráticos, é possível encontrar na multidão de sentidos elementos comuns, no mínimo como o são resquícios naturais da língua e da cultura. Sem tal possibilidade de partilha, a imensa diversidade dos sentidos tornaria a vida uma selva: cada sentido corresponde a um ponto de vista. A questão que naturalmente se coloca é: como vislumbrar tais elementos de partilha? Como explorar a riqueza da diversidade de pontos de vista sem a violência do confronto direto? Para Gadamer, não é o caso de se pretender reduzir a uma só visão o que originariamente são duas: é possível manter duas visões distintas, mas é imprescindível fundir os dois horizontes em um só. Não reduzimos dois pensamentos, duas visões, duas teorias a uma só perspectiva, mas o cenário que se descortina, o contexto em que tais visões se constituem deve passar a ser o mesmo. O instrumento fundamental para tal convergência é a razão comunicativa, Eis aí uma sublime noção de tolerância.

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