Category Archives: Mattemas
Cautela e Caldo de Galinha
Trocamos gato por lebre
Se a língua é mal compreendida:
Infestar não é estar alegre,
Nem desmatar é dar vida…
Sobre ouvir absurdos
Quisera às vezes, ser surdo
Diante de tanto grito…
Em mar de palavras urdo,
Tecendo o dito e o não dito,
O bendito e o maldito.
Temo, às vezes, se chafurdo:
Ontem, soava absurdo;
Hoje, parece inaudito…
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Pagar o Pacto
O pacto de Fausto com Mefisto
Foi uma ação certamente imprudente.
Bastaria inspirar-se na ameba
Para viver eternamente…
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SER, PARECER, SABER
Trago em minhas mãos, em oração
O que ora sei e o que ora sou.
Dentro, está tudo o que sei;
Fora, o que nem sei, nem sou.
Ser e saber em comunhão!
Se pouco sei, não sei quem sou.
Quanto mais sei, sei que não sei.
Se menos sei, penso que sou.
Assim também, quanto mais sou
Sei quanto sei, e o que não sei.
Se é jovem, diz: “eu tudo sei!”
Mais velho, vê: “quão pouco sou!”
Articular ser e saber
Diz do que sei e do que sou.
E do que penso do que sei
Na condução do bem viver.
A regra é uma, isso eu sei,
Me disse um sábio, em um instante:
Quando somamos o que sou
E o que quero parecer…
…A soma é uma constante!
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Mil e Uma X4 Vícios e virtudes do autodidatismo
Parece natural o elogio do aprender a aprender e do autodidatismo, mas é importante registrar: conhecer é aprender a mapear relevâncias.
Em A Náusea, de Sartre, há um personagem (sem nome) que valoriza muito o conhecimento e decide ler todos os livros existentes, sem mapear o que é relevante. Organiza títulos em ordem alfabética e inicia a leitura pelos que começam com a letra A, depois B… Naturalmente, morrerá sem atingir sua meta.
Em Entrevistas sobre o fim dos tempos, Umberto Eco comenta que conhece e admira autodidatas, mas percebe em todos eles certa dificuldade em construir um mapa do conhecimento, articulando o que sabem e o que não sabem.
Já Ascenso Ferreira nos legou um belo poema sobre viagens intitulado Oropa, França e Bahia. Nele, dialoga com Mário de Andrade e com Manuel Bandeira em temas correlatos. E Drummond acertou a gramática e nomeou um poema seu Europa, França e Bahia.
Eis um argumento para justificar a mistura de categorias: é poético misturar Oropa França e Bahia.
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Estatística em quatro atos
Nilson José Machado
njmachad@usp.br
I Não existem dramas
Nem tragédias
Se nos escondemos
Nas Médias.
II Algo impossível de se provar
Pode ser muito provável.
O destino das palavras é imprevisível…
III Intolerância sutil:
Apenas dois ou três desvios
E a Curva Normal me excluiu…
IV Sucessivas ocorrências de um evento
Tornam seu acontecimento mais provável?
Ou isso é sinal
De que seu estoque está no final?
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Decálogo da Duração
Nílson José Machado/njmachad@usp.br
I
Nem parto sofrido
Nem porto distante:
A vida é durante…
II
Amor, alegria
E suor bastante:
A vida é durante…
III
Buscar o sentido
É extenuante:
A vida é durante…
IV
Do júnior ao sênior
Manter-se estudante:
A vida é durante…
V
A felicidade
Nunca é constante:
A vida é durante…
VI
Seja mansa ou dura
Mas sempre vibrante:
A vida é durante…
VII
Estar com os amigos
E abrir o semblante:
A vida é durante…
VIII
Chegada, partida
Viagem flamante:
A vida é durante…
IX
Durar para sempre
Não é importante:
A vida é durante…
X
Evento fugaz
A morte é um instante:
A vida é durante…
*****Nílson 16-junho-2012
KURSK
Como no princípio,
Uma explosão gerou a ordem:
Salve-se quem puder.
Quem poderia?
Ocupados como estávamos
Cansados de fazer tão nada,
Mas tanto, mas tanto, quem poderia?
Não fora a explosão, quem notaria
Nossa cotidiana clausura?
Que fazíamos nós naqueles mares frios?
Que buscávamos?
Como na vida, apenas lá estávamos
No ventre de escura baleia,
Feia, rígida, mórbida, sinistra.
Sem a alegoria hígida de Jonas
Singrávamos mares sombrios
Em busca, meu Deus, de quê?
De repente, o ruído e a luz,
Tudo muito rápido, breve como o átimo
Entre a chegada e a partida, breve como a vida.
A chegada, ah, a chegada!
A luz também se fez na chegada,
Não foi tão diferente.
Também foi breve o brilho e a explosão
Na transição entre os escuros mares
De onde viemos e onde mergulhamos.
No fundo, a luz foi como na partida
Que nos levou à vida, ao pé na estrada
E ao fundo, a esta símile chegada
Antes, depois e no meio, houve densa escuridão…
Agora, pelo menos não estamos sós,
Estamos cercados de amigos
Pouco mais de cem, quem precisa de mais?
Alguns já não falam mais conosco,
Têm os olhos fixos, baços, duros,
Ou mansamente fechados.
Coniventes com tantos desequilíbrios,
Não partilham mais suas esperanças.
Alguns estão mortos, e daí?
Fora desta imensa baleia,
Lá em cima, à luz do sol e da lua,
Também há muitos mortos,
Caminhando celeremente,
Como clones de tantos falsos ídolos.
Lá fora, lá em cima, lutam contra o tempo,
Correm por nós, choram por nós,
Contam as horam, fazem contas,
Mas o tempo todo nós fazemos contas,
Corremos sempre, os relógios nos espreitam,
Regulando o ócio, faturando o tempo…
O que mudou com a explosão?
Sim, estamos presos, acuados, limitados,
O ar nos falta, morremos lentamente.
Mas é assim mesmo, morremos lentamente,
Não gostamos da traição da morte súbita.
E tantas vezes nos sentimos acuados,
Limitados, presos, sufocados,
Tantas vezes, tantas vezes, por que o espanto agora?
Lá fora, choram por nós,
Emocionados, todos querem ajudar, sofrem conosco.
Não tanto por nós (afinal quem somos nós?)
Quanto pela própria sensação de impotência
Ao se reconhecerem, todos, como marujos
Sem mapas, sem rumo, sem saída
Sem metas, sem valores, sem projetos,
Vivendo de migalhas de sentidos…
Estamos mortos ou morreremos em uma semana ou menos,
Mas que diferença faz uma semana ou um bilhão de anos
Quando não se tem por que viver?
Quando tudo está determinado, tecido combinado,
Quando nos faltam o consolo da nesga, da mínima fresta?
Ainda que a luz nos cegue ou sejamos inundados
Há algo na explosão que não nos desagrada completamente.
Agora, todos querem nos salvar,
Mas quem nos salvará a todos,
A cada um de nós, dentro ou fora da baleia?
Torcemos por soluções vindas de fora,
Mas não há salvação vinda de fora.
Ainda que oremos a cada minuto, todo o tempo,
Ainda que obremos sem cansaço, todo o espaço,
Não há salvação vinda de fora.
Estamos todos no mesmo barco: não há dentro, nem fora.
Agora, aqui no fundo, descobrimos o que sempre soubemos.
Todos os caminhos nos conduzem a nós mesmos,
O fim é sempre o mesmo,
O tempo e o espaço são meros pormenores.
Passado o espanto, encomendadas nossas almas,
Tudo voltará à calma, descansaremos em paz.
Talvez encontrem culpados, é sempre de bom alvitre.
Mas não existem culpados, por mais que os encontrem,
Não existem culpados fora de cada um de nós, existimos nós,
E, sintomaticamente, existimos é presente e é passado…
Estamos todos juntos, não chorem, pois, por nós.
Olhem bem para si, orem por si, orem por nós,
Mas sem nutrir a tristeza.
Uma pequena baleia se for, fomos com ela
Como bactérias de uma grande bactéria.
No ventre da baleia, somos todos Jonas,
No marasmo do mundo, estamos todos juntos.
No fundo do mar e de nossos corações,
A viva explosão espanta a morte!
Que viva a explosão, que viva a vida!
********NILSON 20-8-2000
Mattemas 82 # POLINÔMIOS E POESIA
Polinômios são como Poesia
Com a simplicidade de somas e produtos
Nos aproximam de funções muito complexas
Com a sinceridade plena de um único encontro
Nos revelam por inteiro seu passado e seu futuro
Fernando Pessoa e Antonio Machado são Polinômios.
Mattemas 81 # Alea jactante
O acaso há de me salvar
Derrapei no preconceito
Errei nas premissas
Vacilei no argumento
Mas acertei no milhar…
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